[:pt]O REGIME DE CAPITALIZAÇÃO DO MÉXICO: A REFORMA DA PREVIDÊNCIA DE 1997 E DESAFIOS QUANTO À COBERTURA PREVIDENCIÁRIA[:]

Postado em: 19/03/2019

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Desde as eleições do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem anunciando aos brasileiros o projeto do regime de capitalização na previdência do Brasil, o qual já é utilizado em países como México, Colômbia, Peru e Chile.

Tal projeto pode ser vislumbrado nos artigos 201-A e art. 115, inciso I, ambos os dispositivos presentes na proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência Social.

Assim como o Chile (talvez um dos casos mais paradigmáticos no tocante ao modelo de capitalização), o México também adotou um sistema de capitalização obrigatória. E tal como o primeiro país, o segundo também vem revisando o seu modelo de capitalização.

Contudo, como é de fato a previdência mexicana, com ênfase ao seu regime de capitalização? E qual vem sendo o seu ponto frágil?

Inicialmente, cabe sublinhar que no caso mexicano, há o entendimento que o problema não seria o regime de capitalização em si, porém o contexto no qual está inserido.

Diferentemente da Constituição Federal do Brasil, que dispõe um capítulo inteiro sobre a seguridade social, a Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos dedica bem menos espaço à seguridade social, destacando tão somente como é a sua organização e o modo como os trabalhadores podem gozá-lo (art. 123, XI). A Ley de Seguro Social de 1995 dispõe maiores detalhes sobre a seguridade social mexicana, abrangendo a aposentadoria.

O México possui diversos sistemas de seguridade social, de maneira que se destacam duas instituições que provém a seguridade social, quais sejam: a) Instituto Mexicano del Seguro Social (IMSS) de inscrição obrigatória para todos que possuem relações de trabalho, sócios de sociedades cooperativas e outras pessoas determinadas pelo Poder Executivo Federal mediante prévio Decreto; b) Instituto de Seguridad y Servicios Sociales de los Trabajadores del Estado (ISSSTE), destinado aos servidores públicos federais e aqueles da Cidade do México.

De qualquer maneira, durante quase todo o século XX, o Partido Revolucionario Institucional (PRI) teve amplo poder no cenário político mexicano, fator que facilitou uma substancial reforma na previdência do México, este que se transcorreu em 1997, no governo do presidente Ernesto Zedillo. Logo, esta mudança substituiu o sistema de repartição (criado por Bismarck e usado em vários países pelo mundo, como no Brasil) para o sistema de capitalização.

Destarte, a partir desta reforma, os recursos não iriam compor mais um fundo comum (pay as you go), mas sim passariam a ser individualizados.

Portanto, a origem dos fundos não viria mais da IMSS, com o respaldo do Governo Federal, portanto de recursos pessoais de cada trabalhador. E a administração destas contas passaria a ser feita por entidades financeiras, conhecidas como ‘Afore’.

O funcionamento da previdência mexicana pode ser visualizada através da Ley de Los Sistemas de Ahorro para el Retiro de 1996, o qual estabelece que os trabalhadores que integram o Sistema de Ahorro para el Retiro (SAR), devem ser titulares de uma conta individual neste sistema para que possam realizar seus aportes (art. 3, III bis. e X).

Outrossim, a secção I do capítulo III trata das Administradoras de Fondas para el Retiro as quais tem como competência abrir, administrar e operar as contas individuais dos trabalhadores (art. 18, I)

Estas administradoras são sociedades anônimas de capital variável conhecidas pela abreviatura ‘Afore’ (art. 20, I), cuja regulação se dá pela Comisión Nacional del Sistema de Ahorro para el Retiro (CONSAR).

Todavia, a cobertura previdenciária é um (dentre outros) problema bastante conhecido (e antigo) na previdência social do México.

A despeito da obrigação que os empregadores têm de inscrever os seus empregados em instituições de seguridade social, muitos optam pela evasão ou interrupção de registro, fazendo com que os seus trabalhadores sejam assalariados informais.

Assim, a informalidade interrompe as contribuições na conta individual do trabalhador.

Este fato representa um impasse, já que um dos requisitos para pleitear a aposentadoria no México (seja a de renta vitalícia, retiro programado e pensión mínima garantizada, que são as três modalidades de aposentadoria no México) é comprovar o mínimo de 1.250 semanas de contribuição. Outro requisito primordial é a idade mínima de 65 anos de idade (para homens e mulheres).

Referida questão pode ser evidenciada ao contrastar os dados da população economicamente ativa (PEA) com a taxa de crescimento anual dos trabalhadores contribuintes do IMSS.

Isto porque, segundo números do Instituto Nacional de Geografía y Estadística (INEGI), ao passo que entre 2000 a 2015 da PEA cresceu de 39.2 a 52.6 milhões de pessoas, no mesmo período o número de contribuintes foi de 12.2 a 17.7 milhões.

Vê-se que é evidente a disparidade entre o número da população economicamente ativa e o número de contribuintes (aqueles que efetivamente mantém vínculos formais de emprego e, desta forma, estão dentro da cobertura previdenciária), algo que revela o problema da informalidade de trabalhos no México.

Até 2014, de acordo com dados da Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo (ENEO), o perfil do trabalhador informal geralmente: a) tem escolaridade de ensino primário incompleto ou mesmo completo; b) possui uma jornada semanal maior que 56 horas semanais; c) tem entre 14 a 24 anos, 51 a 65 anos ou até mais que 66 anos. Ademais, muitos trabalham na agropecuária (sem exclusão de outros setores, como o do comércio).

Por conseguinte, para os trabalhadores informais afiliados à IMSS, aportar recursos durante 1.250 semanas ou mais para angariar uma aposentadoria pode significar trabalhar por vários anos.

O contraste entre a população ativa e o número de contribuintes (que se traduz em uma baixa taxa de afiliação e contribuição na seguridade social, bem como em pouca de densidade de contribuição), são sinais de desequilíbrios financeiros dos regimes de aposentadorias mexicanos.

Ainda, não obstante a capitalização, o Estado permanece incumbido de pagar a pensión garantizada (uma aposentadoria destinada para os trabalhadores que cumpriram os requisitos de idade e tempo de contribuição, mas não têm recursos suficientes para uma renda vitalícia).

Logo, como o tesouro mexicano não está totalmente isento das aposentadorias, também pode ser atingido em eventuais colapsos na previdência.

Obviamente, aqueles que não cumprem os requisitos para a obtenção da aposentadoria, podem dispor dos fundos acumulados em sua conta, caso tenham efetuado alguma contribuição.

Enfim, o caso mexicano mostra que a reforma da previdência não é somente um assunto eminentemente previdenciário. Trata-se de um tema que merece olhares interdisciplinares e holísticos que são primordiais para a sua completa compreensão.

 

REFERÊNCIAS

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SORIA, Jesuswaldo Martínez; RUIZ, Gabriela Cabestany. La reforma de la seguridad social en México frente a los desequilibrios del mercado de trabajo. Economía Informa UNAM, n. 397, p. 89-104, marzo-abril 2016, p. 96-98. Disponível em: < http://www.economia.unam.mx/assets/pdfs/econinfo/397/05MartinezCabestany.pdf>. Acesso em 22 fev. 2019.

 

 

Escrito por: Luiz Guilherme Natalio de Mello OAB/PR 91.516.

Bacharel em Direito pela PUCPR. Pós-graduado em Direito Tributário Empresarial e Processual Tributário pela mesma universidade.[:]